Eu Acuso...!
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Dom Lucas Moreira Neves
...O meu j’accuse é assestado contra a televisão brasileira. E
o lanço como brasileiro preocupado com meu País...
Não quero, de modo algum, generalizar. Estou pronto
a excetuar da minha acusação o canal dedicado à educação e cultura e os
programas que, nos diferentes canais, contribuem para o crescimento e a
elevação cultural e humana da população.
...eu acuso a televisão brasileira pelos seus muitos
delitos.
Acuso-a de descumprir sistematicamente as funções em vista das quais
obteve do governo uma concessão: informar, educar, cultivar, formar consciência
e divertir. Em vez disso, ávida somente de pontos no Ibope e de faturamento,
ela não hesita em apelar aos instintos mais baixos do homem. Seu pecado mais
grave é o que concerne à educação por ser esta a necessidade e as exigências
fundamentais no nosso País. Com raras e louváveis exceções, a tevê brasileira
não só educa, mas, com requinte de perversidade, deseduca. Abusando dos seus
recursos técnicos, do seu poder de persuasão e de penetração nos lares do País
inteiro, ela destrói o que outras instâncias pedagógicas e educativas, a duras
penas, procuram construir.
Acuso a televisão
brasileira de ministrar copiosamente à sua clientela os dois ingredientes que,
por um curioso fenômeno, andam sempre juntos: a violência e a pornografia. A
primeira é servida em filmes para todas as idades. A segunda impera solta, em
qualquer gênero televisivo: telenovelas, entrevistas, programas ditos
humorísticos, spots publicitários e clips de propaganda...
Acuso a televisão do
nosso País de estar utilizando aparelhagens e equipamentos sofisticados com o
objetivo de imbecilizar faixas inteiras da população. Uma geração de
debilóides. O processo se torna consternador e inquietante quando, a pretexto
de humor, um instrumento de educação, como a escola, se transforma em
"escolinha", onde o mau gosto, a idiotice, o achincalhe são dados em
pasto a crianças, adolescentes e jovens em formação...
Acuso a TV brasileira de destilar em sua programação e instilar nos
telespectadores, inclusive jovens e adolescentes, uma concepção totalmente
aética da vida: triunfo da esperteza, do furto, do ganho fácil, do estelionato.
Neste sentido, merecem uma análise à parte as telenovelas brasileiras sob o
ponto de vista psicossocial, moral, religioso. Quando foi que, pela última vez,
uma novela brasileira abordou temas como os meninos de rua, os sem-teto e
sem-trabalho, os marginalizados em geral? Qual foi a novela que propôs ideais
nobres de serviço ao próximo e de construção de uma comunidade melhor? Em lugar
disso, as telenovelas oferecem à população empobrecida, como modelo e ideal, as
aventuras de uma burguesia em decomposição, mas de algum modo atraente.
Acuso, enfim, a
televisão brasileira de instigar à violência: ‘A televisão brasileira terá de
procurar dentro de si as causas da violência que ela desencadeou e de que foi
vítima’ (Editorial Estrelas candentes, JB, 06/01/93). ’Já se chamou a atenção
para o fato de que o crescimento de rede monopolística da televisão coincida
com o crescimento da violência no país e jamais se chegará no âmago da questão
enquanto a própria televisão se recusar a assumir sua responsabilidade’ ...